Se tem uma coisa que corredor tem orgulho é de camiseta de corrida. A medalha vai pra parede, a camiseta de finisher vai pra pista. Desfilá-la pelas pistas provoca um prazer indescritível.
Toda camiseta conta uma história: de conquista, de prazer, de superação, de dor, de glória. Ela simboliza um desejo, uma trajetória de autoconhecimento, de mudança, de fechamento de ciclo.
Obviamente minha camiseta de finisher tem uma história das boas e longa pq no meio dela teve uma pandemia.
Era uma tradição comemorar meu aniversário com uma viagem, quase sempre era Londres. Era um final de semana de passeios, drinks, musical e um afternoon tea.
Em 2019 eu estava lá, na cama do hotel, cansada e feliz depois de um dia cheio. Mas um pouco frustrada. Eu vinha de um período difícil, cheio de altos e baixos. Tinha passado nos anos anteriores por uns tratamentos chatos que me fizeram dar uma pausa nas corridas. Em novembro eu tinha tentado voltar a correr uma maratona mas, 3 semanas antes quebrei o mindinho e mais uma vez, estava fora das pistas de corrida por um tempo. Aí me veio uma inspiração: por que não tentar correr a maratona de Londres??
Quem é do meio das maratonas, sabe o perrengue que é conseguir uma vaga. Tem uma loteria, que é mais difícil conseguir uma vaga do que acertar a Mega-Sena. Tem a possibilidade das agências de viagem, que sempre tem fila de espera. E tem a possibilidade de conseguir uma vaga pelas charities, onde você tem que juntar uma quantia determinada para doação por uma boa causa. Nada fácil. Especialmente em dezembro, quando praticamente a maioria das vagas já foi preenchida.
Bom, mas para quem deseja algo do fundo do coração , sempre terá um caminho. Me candidatei em todas as instituições listadas no site e, ainda escrevi para amigos perguntando por onde eles tinham corrido.
Em janeiro, meus esforços e desejos foram atendidos! A Action for Pre Eclampsia tinha uma vaga pra mim!!
Depois de oficialmente inscrita, vinha o longo caminho. Eu tinha 4 meses pra juntar 2.000 libras. Mas, eu ia dar um jeito.
Os treinos começaram, as expectativas aumentavam a cada dia que chegava próximo do 26 de abril. Cada km que eu corria aqui pela beira do rio, eu imaginava onde estaria passando por Londres. Quando vinha a canseira dos treinos longos, eu tinha um filme que vinha nos meus pensamentos, era da curva ao lado do Buckingham Palace, caindo na The Mall lotada de pessoas gritando, motivando, balançando as bandeirinhas da Union Jack, terminando na tão sonhada Finish Line.
O sonho caiu num limbo com a pandemia do Corona Virus. Veio um universo de incertezas. A maratona foi cancelada, e eu como muitas outras pessoas pelo mundo, vivemos um drama pessoal. 2020 não seria o ano que eu retornaria ao mundo das maratonas.
2021 comecou incerto. Vai acontecer ou não? Amigos fantásticos colaboraram para que eu alcançasse a meta financeira pra a APEC, a instituição de caridade que me ajudou a conseguir a vaga. Agora só faltava treinar.
As incertezas me fizeram acreditar que aquele sonho não se concretizaria. Os treinos eram inconsistentes, sem a disciplina e motivação necessárias. Até que chegou julho e a confirmação de que a corrida aconteceria. Eu precisava correr!
Um motivo pra comemorar e outro pra arrancar os cabelos. Eu ia voltar a correr uma maratona sim! Mas os treinos que deixavam a desejar poderiam atrapalhar a conquista desse sonho. Eu estava tão perto que não poderia desistir.
Passagens compradas, hotel reservado, testes para Covid marcados. O medo da doença nos acompanhou durante todo o tempo, mas não tinha mais volta. Estávamos vacinados e com sorte nada de mau aconteceria.
Chegou o grande dia! Eu estava tão nervosa, como se fosse minha primeira maratona. Eu estava disposta a curtir cada momento. E assim o fiz, esqueci a estratégia do treinador e fui aproveitando cada quilômetro daquela cidade que tanto gosto. Os londrinos esqueceram todas as recomendações por conta da pandemia e compareceram em peso nas ruas. Eles estavam nas calcadas, nas pontes, nos túneis. A cidade vibrando com e por nós corredores. A grande parte dos participantes com a camiseta das instituições que apoiaram. Cada um com sua história, sua trajetória, seu porquê. Sao milhares de histórias que se uniram naquelas ruas, naqueles que correram e torceram. E todos cruzamos a Finish Line naquele glorioso domingo ensolarado de outubro.
Eu fechei um ciclo que a muito queria deixar pra trás. Vivi com uma emoção sem fim o filme que eu projetava em todos meus treinos. As bandeiras, os gritos, a energia daquela cidade que renascia após a pandemia me acompanham toda vez que eu visto essa camiseta. É como vestir um em emoji, impossível não sorrir com tantas boas lembranças.